21 outubro 2007

O escritor e educador

Por Adriana Thiara

Contratempos à parte, na noite do dia 20 de outubro, tive que cobrir a palestra do escritor e educador Rubem Alves.

Minha sinceridade não me deixaria mentir... excetuando o nome, que soube há cerca de um mês em virtude da III Bienal do Livro, não sabia mais nada sobre ele (a não ser o genérico escritor e educador, afinal, numa evento ligado a literatura, se o cabra não foi escritor é educador. Isso é básico e não falha).

E sem saber nada sobre a figura, acabei tendo que receber o nobre doutor das letras e dono de um legado na literatura invejável, que por bênção e consentimento divino (isto é sério), teve a felicidade de me ver impecável em minha humilde figuração atuação profissional (e quiçá artística) em sua chegada.

Pouco antes, a coordenadora do evento me liga e pergunta como as coisas estavam. Tudo certo e todos prontos. Mas para ela, nada estava certo ou pronto. O brinde que deveria ter sido entregue a todos os palestrantes não foi deixado no hotel com antecedência, assim o Rubem (olha a intimidade!) ficou sem o mimo. Comprometi-me que, quando ela e o Rubem chegassem o Centro de Convenções, lá estaria eu, esguia e bela (na verdade, eu estava feia, suja e descabelada), com o brinde à mão.

- Atenção, bolsistas! Operação Rubem Alves começou. Disse eu pelo comunicador, já antecipando que o escritor e educador estaria no local em menos de cinco minutos.

Mas, o que ela não imaginava, era que a sala Manoel Correia de Andrade, nome do Patrono da III Bienal do Livro e local onde Rubem Alvas iria ministrar sua palestra, estava com sua capacidade máxima e quem não conseguiu entrar estava a ponto de armar um barraco.

Daí... alguém teve a brilhante idéia de se fazer uma transmissão de áudio para fora da sala, que contemplaria aos ferozes e furiosos aspirantes a ouvintes do Rubem Alves.

Ufa!!! Graças ao dono dessa brilhante idéia (nada inovadora mas bem prática), eu tive tempo de me articular com a equipe de som, solicitar aos bolsistas que arrumassem umas cadeiras, providenciar alguns outros detalhes e... em cinco minutos, lá estava eu chegando no estacionamento do Centro de Convenções, com o brinde e sem fôlego!

Ahhhh... parecia cena de filme...
Eu me aproximando do local marcado e o carro com a coordenadora do evento e o Rubem chegando na mesma hora... sinta-se à vontade para reproduzir mentalmente esta cena...

Eles desceram e a coordenadora me chamou.

- Thiara...
- Tudo certo. A sala está lotada e tem muita gente na fila de espera. Disse eu quase confiante.
- Ótimo. Será que nós poderíamos colocar um telão e um som fora da sala para que as pessoas pudessem ouvir a palestra? Ela perguntou baixinho, no momento em que Rubem Alves (agora sim, além do nome, eu já podia dizer que sabia quem era, pessoalmente, o escritor e educador) aproximou-se de nós.
- Já foi providenciado.

Ela abriu um sorriso com 64 dentes e virou-se para Rubem. Fomos apresentados formalmente.

- Pois é, sabe aquela história que contam “quando você ia com o milho eu já vinha com o fubá”. Você é assim...

Este foi o elogio que Rubem Alves deixou de presente para mim. Depois desta... fiquei amiga de infância dele.

Recebi um abraço e fomos à sala.

Eu nunca poderia imaginar que uma cara de 74 anos (ele mesmo disse a idade, tá) fosse uma pessoa tão jovem e com uma filosofia de vida tão pura e simples. A começar pelas duas frases que ele mesmo disse ter casa numa placa de madeira, ambas em latim:

O tempo é hoje.
Aproveite o dia.

Lembrei de um amigo que sempre me dizia: O difícil na vida é ser simples.

Rubem Alves falou no início da palestra:
Quando o tempo é curto e a gente tem noção que a vida é curta, descobrimos que o objetivo da vida é ter prazer e para cada dia da vida que você não teve gozo ou prazer, este dia não foi seu”.

Em duas horas, ouvi Rubem Alves dar muita informação interessante. E anotei todas elas. O que deveria virar uma matéria, já é um recorte, uma crônica, mais uma das minhas histórias...

Com muito bom humor, simpatia e sabedoria (palavra que ele gosta de falar para identificar o professor que ensina o que não conhece*) arrancou aplausos 10 vezes (média de uma salva a cada 12min).

A palestra foi sobre “A educação dos sentido”, onde ele provocou aos expectadores a serem educadores do prazer e da inteligência. Prazer em conhecer, de experimentar, do fazer, do participar, de inovar, de sair da casca e usar a melhor ferramenta que a educação dispõe: o corpo e os sentidos.

Rubem Alves disse:
A educação brasileira é baseada em ensinar nomes e conceitos que nunca serão usados. Os sentidos dão a criança a capacidade de aprender. Costumo dizer que o aprendido é aquilo que fica depois que o esquecimento faz seu trabalho.

Neste momento me veio à cabeça que ele comentou que a inteligência é como o pênis (sem malícia). Em uma metáfora que deixou a platéia aos risos e logo em seguida em reflexão, explicou que o pênis é um órgão excretor, flácido, apontado para baixo e ridículo, mas quando provocado, cresce, faz prazer, dar prazer e gera a vida.

A inteligência é flácida, mas se for provocada, sofre transformação e propicia transformação.

Depois da palestra seguida da seção de autógrafos, só queria chegar em casa e contar como foi importante para minha formação esta experiência, mesmo sem saber se o que aconteceu antes de eu o conhecer tinha alguma relação com as minhas conclusões. Como pessoa, mãe, profissional e candidata a professora, fui sensibilizada pela metodologia dos sentidos que nos ensina a olhar para o que não se vê e a pensar como seria o que não foi visto.

Ah... para que não termine este relato dizendo que não conheço Rubem Alves, posso, convictamente, dizer que conheço um grande escritor e educador. E ainda fiquei bem na fita.

* segundo Rubem Alves, ensinar o que não se conhece é orientar. O exemplo que ele usou foi. Se minha filha pergunta onde é a rua Tal e eu não souber, vou dar a ela informações, subsídios, caminhos, para que ela descubra a rua Tal que eu não sei onde fica.

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2 Comentários:

Blogger Tiago Andrade disse...

Thi,

Achei muito sábia a sua colocação dessa crônica. Realmente tem tudo a ver o que vc falou. Somos bons, só basta sermos "animados".

Grande beijo

9:17 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Se vc gostou do Rubem Alves, veja o que ele diz sobre seu livro A PIPA E A FLOR, transformado em peça teatral:http://apipaeaflor.blog.terra.com.br

12:00 PM  

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